Tenho conhecido algumas pessoas
ou até mesmo casais e famílias que se comportam como ilhas no meio social. Geralmente não se abrem a relacionamentos,
salvo por curtos espaços de tempo,
mantém uma vida isolada e solitária e alguns constantemente estão
mudando de casa, cidade, grupo religioso e amigos. Olhando à distância tudo
parece normal, afinal a vida hoje em dia oferece tantas opções de ocupações e
de lazeres individualistas que se não conhecermos a realidade dessas pessoas um
pouco mais de perto, aparentemente pensaremos que estão bem e são felizes
assim.
Não vou afirmar que não exista
ninguém que viva relativamente bem dessa forma, mas a verdadeira realidade
emocional e espiritual dessas pessoas na maioria das vezes é desajustada,
depressiva e triste. São desconfiados, paranóicos em relação a intenção de
outras pessoas, amargurados e contém uma longa lista de desafetos familiares e
amigos que foram sendo abandonados ao longo de suas vidas tal qual objetos descartáveis
que são jogados fora quando já foram usados. Muitos se comportam como eternas
vítimas de tudo e de todos e seu discurso está sempre pronto a culpar as demais
pessoas em relação a sua solidão e fracasso em se relacionar.
Mas o que de fato acontece para
que essas pessoas se tornem tão prontas a descartar as outras de seu convívio?
Uma boa explicação pode ser encontrada na biologia e psicologia combinadas. O
certo é que nós seres humanos somos dotados de um sistema de defesa que inclui
comportamentos de esquiva ou fuga para quando nos sentimos ameaçados e em
perigo e nesses casos o que acontece é como se o sistema dessas pessoas
estivesse em alerta máximo analisando qualquer aproximação humana como uma
ameaça. Ocorre um desajuste de informação interna pois todas as situações
sociais e pessoas são vistos da mesma forma, como se fossem exatamente iguais.
Todos são vistos como não confiáveis, maus e prontos a ferir sem compaixão.
As razões para que este sistema
de defesa tenha se tornado o centro controlador dessas pessoas também são
importantes de serem entendidas. Pode-se dizer que uma boa parte dessas pessoas
teve uma infância difícil e foi decepcionada por aqueles de quem esperava
cuidado e amor. Outros não tiveram problemas de infância, mas foram criados e
influenciados por pessoas que tiveram e já tinham adotado esse modo de vida
transmitindo-o aos seus filhos. Alguns ainda não tiveram problemas na infância
e nem pais paranóicos, mas foram poupados de decepções e ensinados que a vida
deveria ser um paraíso e as pessoas perfeitas em seu trato com eles. Quando
descobrem que as pessoas nos frustram, magoam e não agem exatamente como
pensamos e desejamos todo o tempo, passam a não aceitar quem possa errar e
começam a selecionar pessoas em sua busca pelos perfeitos que não poderão machucá-las.
Se tornam duras e intolerantes com os menores erros alheios e um vacilo é capaz
de fazer com que elas excluam uma pessoa por completo da noite para o dia e
joguem mais alguém na “lixeira dos traidores”.
Não haveria motivo de preocupação
com esse tipo de comportamento se o fim não fosse trágico. Algumas décadas
agindo assim e a vida começa a ficar vazia, sem sentido com um acúmulo imenso
de sentimentos negativos e um desespero cada vez maior por paz interior que parece
não ser encontrada em nenhum lugar. O mundo se torna um lugar ameaçador e
alguns começam a pensar até em suicídio. A frustração se torna tão grande
porque as impressões dessas pessoas sempre parecem se confirmar, afinal onde
vão encontrar um lugar no qual as pessoas não pisam na bola vez ou outra? É
preciso tentar ajudar essas pessoas antes que seja muito tarde e é preciso
vigiar para nunca se tornar uma delas.
Alguns passos contra isso podem
ser dados. O primeiro é entender e já
esperar que as outras pessoas vão cometer erros em seus relacionamentos conosco
e que na verdade, devemos ser tolerantes uns com os outros porque todos somos
iguais na imperfeição. Não podemos exigir de ninguém o que nós mesmos não somos
capazes de fazer; que é acertar cem por cento das vezes. Outro passo importante
é estar disposto a dar novas chances sempre. Um erro pode aproximar as pessoas
e tornar o relacionamento ainda mais verdadeiro e melhor se este for superado.
As mesmas pessoas que nos magoam, poderão ainda nos deixar muito felizes se
permitirmos que isso aconteça.
Neste momento eu me lembro da
história de Jesus Cristo e Pedro que também foi um traidor. Pedro errou feio
com o mestre, um erro imperdoável na visão de muitas pessoas se tivesse
acontecido com alguma delas. Imagine depois de três anos de amizade intensa,
alguém dizer que não te conhece na hora que você mais precisa de apoio? A
postura de Cristo é o ápice desse entendimento que conhece o ser humano e sabe
que melhores pessoas podem nascer quando seus erros são plenamente perdoados. Foi
Jesus quem o procurou, foi Ele que ofereceu o perdão e a resposta de Pedro depois
disso foi viver e morrer pelo mestre com a maior lealdade possível. Mas e se
Pedro não tivesse tido essa chance?
Porém convém dizer que nossas
defesas existem por um motivo e não devemos ser ingênuos ao ponto de pensar que
não existem pessoas que se entregaram ao mal e que estão dispostas a ferir sem
remorso aqueles que entram em seu caminho. Sim, infelizmente elas existem, mas
felizmente não são a maioria das pessoas. Ainda assim precisamos entender que
nossa postura jamais deve ser de descartar cruelmente essas pessoas, pois assim
estaríamos agindo como elas. Pessoas não são lixo, não devemos nutrir por elas
ódio e desprezo mesmo que sejam más. Apenas devemos nos afastar como proteção
para que não nos destruam, entregando elas a Deus e pedindo misericórdia para
que possam ser transformadas por Ele.
O perdão não deve conhecer
limites, mas em alguns casos extremos a convivência destrutiva sim. Afinal quem
vai deixar a mão no fogo, ou não vai correr do leão? Conheço uma mulher que se
casou e logo conheceu o lado violento, obscuro e frio de seu companheiro. Como
era uma mulher cristã suportou por algum tempo, perdoou algumas surras,
traições, mas por fim percebeu que não adiantava lutar por quem não deseja
mudança. Se afastou e seguiu em frente com suas duas filhas pequenas. Alguns
anos depois fica não tanto chocada ao ver no jornal seu ex-marido sendo preso por
denúncia de abuso sexual à crianças e adolescentes. Aliviada percebe que
realmente tomou a atitude certa e que se não tivesse se afastado talvez suas
próprias filhas teriam feito parte daquela triste lista.
Como já foi dito acima, ainda
bem que esses seres adoecidos moral-psicológica-espiritual e socialmente não
são a maioria das pessoas. Por isso, devemos
tomar o cuidado de não confundir sujeitos normais com os anormais e acabar por
nos privar do convívio humano saudável, apesar de difícil e sujeito à
transtornos, mas extremamente compensador ao longo dos anos.
Ninguém consegue sobreviver sozinho, somos
seres sociais e quanto mais melhor. Quanto mais pessoas conseguirmos conservar
ao nosso lado ao longo de nossa história mais saudáveis emocional e
espiritualmente seremos porque isso significa que teremos conseguido aceitar,
tolerar e perdoar nossos companheiros para seguir em frente. E o resultado de
tudo isso é uma vivência compartilhada, rica de significados, crescimento e
profundidade.
A gente se vê...
Danyela Batista
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